terça-feira, 23 de março de 2010

[Comentário] Bragança/Mirandela: Crónica de um menino a quem ninguém ouviu


Uma escola, no interior. Os meninos jogam à bola na rua debaixo do olhar dos mais velhos. Alguns escondem-se e calam dentro deles uma dor de alma, uma torrente de sentimentos frustrados. Têm medo, choram.

Indiferentes à sua dor, toda uma escola viva de professores, companheiros, auxiliares...

Numa escola, no interior, uns meninos eram perseguidos por colegas mais velhos e de vez em quando levavam “uns bofetões”. “Coisa normal entre crianças”, disseram alguns pais e professores. Uma “coisa normal” para quem?

Sendo a escola obrigatória, presumo que muitos de nós tenhamos passado por lá. Poucos serão os que não viveram situações semelhantes, com desfechos diferentes. Quem nunca andou “à bulha”? Terão sido poucos, mas isso é normal e aceitável? Até que ponto?

Em 2008 o pequeno Leandro, uma criança como eu também fui, como muitos foram, foi mandado para o hospital. Alguns colegas mais velhos bateram-lhe. Dizem que lhe deram pontapés na cabeça. Esteve dois dias internado. É normal? É aceitável? O que fez a escola? O aluno foi agredido fora do recinto. Mas foi agredido por colegas seus, colegas mais velhos. É aceitável?

Em 2010 Leandro não aguentou mais e o país soube. Um menino saltou para o rio para fugir aos maus tratos de alguns colegas mais velhos. Vergonha. Que vergonha.

Foi preciso cair nas águas do rio para fazer ouvir a sua dor.

Quantos mais Leandros vão ter de cair para que a escola comece a encarar a agressividade e a violência entre os alunos como um sério problema e não como brigas de crianças?

Para quando a colocação de profissionais competentes (psicólogos) para acompanhar estes casos?

Que pessoas estamos a formar? Que pessoas queremos formar?

Espero que a consciência lhes doa até mais não e que não haja uma noite em que descansem em paz.

Aos pais e familiares, condolências sentidas...



in Diário de Bragança (04/03/2010) - http://diariodebraganca.blogs.sapo.pt/


-------------------------------------------------------
Comentário:
De facto, um episódio lamentável. Apesar de já ter ocorrido há várias semanas, foi de facto o suficiente para trazer um problema que já há muito que deveria ter sido resolvido à discussão pública. Perguntamo-nos se daqui a uns meses não estará já tudo esquecido, certamente casos como este vão voltar a ocorrer, neste país e noutros. O bullying é um problema, infelizmente intemporal, isto porque está ligado à própria violência, que, ao que nos vem a parecer cada vez mais, é um problema que está já ligado à espécie humana. A cobiça, a ambição, o desprezo, ou mesmo o desespero - todos estes são razões por detrás da violência.
O bullying é cruel. Simplesmente porque é capaz de arruinar a infância/adolescência de muitas pessoas que, depois de serem alvo de violência ou humilhação, são levadas a serem vistas não pelo que são mas pelo que os seus agressores fazem parecer que são. É um atentado à identidade, e, no caso do menino Leandro, ele deixou de poder co-existir com a identidade que lhe atribuiram. Pediu ajuda, mas ela não veio. E depois... foi tarde demais.

Certamente agora o problema da violência nas escolas já estará prestes a ser esquecido. Foram tomadas umas medidas "às três pancadas" pelo governo, que aparenta disfrutar de encontrar soluções para os problemas mais mediáticos.

A realidade... é que no fim de tudo, nem o problema do Leandro ficou resolvido, nem o problema de muitas outras vítimas que sofrem em silêncio.
Cabe agora a nós tentar pelo menos, já que este problema é quase incorrigível, sensibilizar as pessoas para este assunto, com especial atenção na comunidade escolar, porque afinal de contas, ao contrário do que a maioria da opinião pública diz "que os professores deviam sensibilizar mais os alunos sobre este problema", a realidade é que este é um problema que existe entre alunos e que deve começar a ser resolvido pelos mesmos!


0 comentários:

Enviar um comentário